Do omnicanal ao monocanal: a realidade no varejo brasileiro

Publicado por Estevão em

 

  • Postado em 19/06/2013

Do omnicanal ao monocanal: a realidade no varejo brasileiro

O tema, que foi capa da revista Novarejo em janeiro, será o assunto de uma palestra no World Retail Congress que acontece em Paris em outubro

Nós cantamos a bola antes. Em janeiro, a revista Novarejo trouxe a cobertura do evento Big Show do NRF (National Retail Federation). Focamos no embate entre toda a teoria exposta lá sobre o novo mundo dos negócios omnicanal – que pressupõe a venda em vários canais integrados – e a realidade do varejo brasileiro. É uma distância grande. Enquanto muitos varejistas patinam em operar apenas um canal, agora há a pressão por estar em vários canais – quiosque, catálogo, telefone, internet, celular – e mais difícil: todos estes canais devem estar integrados num mesmo sistema como se todos fossem apenas um. Um varejo “seamless”, ou “sem costuras”. A teoria é perfeita, mas a prática vai exigir um grau de investimento tremendo tanto em energia e pessoas como em tecnologia. Embora ela se desenhe como o futuro do varejo, poucos hoje estão preparados, e com maturidade suficiente, para embarcar na nova tendência.

Tanto que a capa perguntava: “Omnicanal é o nosso jogo?” A chamada abaixo dizia tudo: “A sedução de estar em vários canais ao mesmo tempo pode ser arriscada – tanto em vendas como em imagem – para muitos varejistas brasileiros que ainda não estão preparados para isso”.
E não são só os varejistas brasileiros que estão preocupados com esta nova forma de operar. Veja o tema de uma palestra de destaque do World Retail Congress, evento anual, cuja versão 2013 será realizada em Paris: “The Big debate – Multi-channel versus pureplay” (multicanal ou canal único). Quais os desafios que os varejistas europeus e americanos enxergam nesse novo degrau a ser galgado? Serão os mesmos encarados pelos brasileiros?
Por mais que o mundo brade que o multicanal, ou sua versão mais sofisticada, omnicanal, é a maior tendência do varejo, aqui no Brasil é o monocanal quem dá as cartas, ou seja, a loja. Ela recebe toda a atenção do varejista. E será assim por muito tempo. Ser multicanal custa – e caro –, ainda mais considerando nossa infraestrutura deficitária.

Em outubro estaremos no World Retail Congress e traremos aqui o desenrolar desse debate. A Novarejo é a revista oficial do evento no Brasil.

Relembre o que foi dito sobre omnicanal na edição de janeiro

Primeiramente é hora de acertar as terminologias: ”multicanal é quando um varejista opera canais de venda não integrados” e “omnicanal quando esses canais estão alinhados e integrados”, ensina Eduardo Terra, professor da UBS e vice-presidente do Ibevar.

Muito se falou no NRF sobre a teoria que envolve o omnicanal e como esse novo modelo de negócios irá impactar as estruturas das empresas. Uma dúvida pairava no ar: como implementar? Nelson Barrizeli, economista e professor de marketing da Universidade da FEA–USP, carimba o passaporte para o NRF há 14 anos. Ele sabe o que está falando: “Há um gap de cinco anos entre o que é falado aqui e o que acontece de fato nas empresas dos países desenvolvidos. Quando falamos na aplicação desses conceitos no Brasil o gap pode ser maior, talvez de dez anos”, diz. No mundo, a AT Kearney mostrou que apenas 5% das empresas estão focadas em se tornar multicanal. “Os varejistas brasileiros devem enxergar esse conceito como uma perspectiva. Por enquanto devem ir treinando com ferramentas mais simples”, dá a dica.

A NovaPontoCom (Casas Bahia, Ponto Frio.com e Extra.com) está seguindo o conselho. O diretor de marketing Vicente Rezende falou para uma plateia lotada de americanos sobre “Como sua empresa está lidando com a mudança de compra do consumidor?”. Declarou: “O consumidor, que antes ficava desconfortável com um mouse na mão, agora está ganhando eficiência on-line, se tornou proficiente”. Rezende falou o quanto sua área de marketing se tornou um vetor comercial dentro da companhia ao apoiar todas as decisões no estudo dos dados de comportamento de compra do consumidor. “Divirta-se com os dados”, brincou ao final. Na descida do palco, ele confidenciou que “os dados coletados a respeito do consumidor têm guiado a empresas a testar oportunidades”. Uma delas é a junção de informações entre os canais. “Estamos trabalhando agora para integrar nossos canais de compra para termos uma visão única”, disse. Isso significa que será possível, por exemplo, o consumidor comprar um produto on-line e retirar na loja, como já acontece em muitos varejistas americanos? Ele respondeu: “sim, estamos trabalhando nisso”.

Juarez Leão, diretor de varejo da Portobelo, rede detentora de 121 lojas (uma própria, o restante franquia) está atento a tudo que diz respeito a multicanal. “Lá atrás se discutia se valeria à pena. Hoje já não há esta dúvida. A questão é como fazer, como integrar os canais, caso contrário pode-se perder valor no lugar de criá-lo.”

Leão está acostumado a traduzir as principais mensagens das edições do NRF em ações práticas. “Em 2012, ouvimos falar muito aqui sobre redes sociais e aplicativos. Vi muita coisa interessante e imaginava que seria complicado aplicar no Brasil. Para minha surpresa, foi simples entrar para o catálogo da Apple Store com um aplicativo que é o único no Brasil nesse segmento de material de construção. É um diferencial”, conta.

Assim como aconteceu em outra edição, em que os palestrantes ressaltavam a importância da equipe de vendas estar munida de tecnologia para alcançar o mesmo estágio de evolução do consumidor. Isso plantou no diretor a sementinha para a mudança. Ao voltar para o Brasil, ele começou a pesquisar o assunto. Em poucos meses, colocou tablets nas mãos de 100% da sua equipe de vendas. Resultado: mudança drástica no acesso a informação e incremento de volume de vendas.

Omnicanal é o próximo desafio a receber atenção dobrada de Leão. “A lição que fica é a de que nada é impossível de implantar”, diz otimista. A empreitada é dura. “Vejo que muita empresa pratica preços e políticas diferentes em cada canal, isso cria atrito entre as áreas e confunde o consumidor”. O primeiro passo deve ser integrar as áreas sinérgicas. “Na Portobelo, a área de franquia e a de multimarcas estão integradas e sob a diretoria de varejo”, conta. Isso evita, por exemplo, que num mesmo shopping uma loja multimarca pratique uma campanha diferente da loja própria, ou mesmo um preço diferente. A padronização atinge inclusive as vitrines, que expõem a mesma imagem da home do site e da capa do aplicativo. “Em qualquer canal que o consumidor nos acessar terá igual mensagem”. Segundo ele, outra maneira de evitar atrito é criar ferramentas específicas para cada canal, como linhas exclusivas, por exemplo.

Se ações assim não são tomadas, há uma grande chance de o atrito ser maior conforme a empresa cresce e as compras aumentam. Zeh Henrique, presidente da curitibana BrainBox – que presta serviços relacionados a design, branding e soluções de merchandising – corrobora com essa visão. “Muitas varejistas buscam soluções tecnológicas para resolver problemas pontuais e se guiam por preço. No final, têm uma coleção de sistemas no qual nenhum conversa com nenhum”, comenta. A solução para esse emaranhado, segundo Graziela Tesser da NL, empresa de tecnologia para varejo, é adotar um sistema de gestão e não enxergar apenas o que é visível na operação. “O varejista está acostumado a direcionar grande parte do seu investimento para a loja, impressoras fiscais, computadores, caminhões, tudo que é físico. Mas quando vai buscar tecnologia quer economizar ao máximo, pois não consegue vislumbrar o benefício que ela pode trazer”, ressalta Graziela.

Independentemente do sistema tecnológico a ser adotado para propiciar essa multicanalidade, para Marinho, diretor de expansão da Chilli Beans, a lição que fica é a de que é preciso estar onde o consumidor está. “Não adianta a empresa dizer que prefere ficar longe da internet ou do celular. Os seus consumidores gostam e usam, então você precisa estar também”, resume. A reticência só deve ter eco se a demora em entrar para um novo canal for justificada. “Se não há uma estratégia, melhor não entrar para um novo canal. Não dá para inverter a ordem. Antes de começar a vender num novo canal é preciso muito planejamento.”

Talvez isso, a falta de planejamento para o canal, explique o encerramento do e-commerce do Carrefour no início de janeiro. Totalmente na contramão do mercado – que prega a expansão de canais – a rede varejista optou por abandonar a web e ficar apenas com as lojas físicas.

Mas, veja, quando o assunto é multicanal não há receita de bolo, é preciso entender a natureza de cada canal no seu ramo de atuação. No da Artefacto, móveis, por exemplo, o site serve mais como showroom. “Volto para o Brasil com a ideia de abrir mais lojas”, explica Braulio Bacchi diretor da rede que já soma sete lojas no Brasil e três nos Estados Unidos. “O e-commerce é complicado no nosso caso. Nossa estratégia é focar totalmente no canal loja”. A empresa capricha no PDV, no qual oferece atendimento personalizado com direito à consultoria de decoração. “Ajudamos o consumidor a escolher a melhor disposição para os móveis dentro da casa, e fazemos o projeto com ele. É um serviço que vai além do produto”, conta.

Assim, a Artefacto está seguindo seu posicionamento: foco na loja. E não há certo ou errado aqui. Sim, o consumidor valoriza a empresa disponível em vários canais. Mas o que deve guiar o varejista nessa euforia por fincar bandeira no maior número de canais é se esse desbravamento vai trazer retorno financeiro, ou se ele vai reforçar a marca – o que não ocorreu no caso do Carrefour. Jorge Inafuco, da Price WaterhouseCoopers, ressalta: a corrida por resultado muitas vezes pressiona um canal a vender quando na verdade sua vocação é outra. “O propósito de um canal, como um perfil numa rede social, pode ser interação, captação ou simplesmente comunicação. Há canais que habitam o ecossistema da marca, mas não são necessariamente canais de venda”. Inafuco defende que esses canais sejam tratados como pontos de contato da marca, capazes de reforçar a marca. A eles não devem ser impostos produtividade ou metas de venda. “Notamos em pesquisa que, durante sua jornada de compra, 70% dos consumidores usam dois canais antes de se decidir. Um canal deu força ao outro, e o resultado são mais vendas totais”, ressalta.

 

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